O livro O
Médico o Monstro (cujo título original é muito mais legal: The Strange Case of Doctor Jekyll and Mister
Hyde, que seria mais ou menos O
Estranho Caso de Doutor Jekyll e Senhor Hyde), de Robert Louis Stevenson, é indiscutivelmente um
grande clássico da literatura, e uma das bases do gênero fantástico (ou terror,
dependendo de algumas considerações). A obra foi adaptada para dezenas de
versões no teatro e para o cinema também, gerando espetáculos fantásticos,
verdadeiros desfiles de grandes atuações.
Olha o vovô da Drew Barrymore como o bom doutor no filme de 1920 |
Confesso que, entre as histórias dos monstros considerados com clássicos, essa nunca foi uma das minhas favoritas.
Concordo que os grandes atores que
encarnaram o personagem, desde o lendário John Barrymore (eu sei que tiveram outros
antes dele, mas eu gosto de lembrar dele como o primeiro a ser lembrado, oras),
passando por Frederich March (ator do clássico de 1931, que ficou mais icônico)
até Spencer Tracy, Michael Caine e Jack Palance. Até mesmo Boris Karloff já
interpretou o médico de duas personalidades, na comédia Abbott e Costello
encontram Dr. Jekill e Mr. Hyde (de 1953).
São performances inesquecíveis e marcantes, e não tem como falar mal do
talento dos atores citados (talvez do Jack Palance...), mas o problema, pra
mim, nunca foram os atores, mas a história.
Karloff, assustando Abbott e Costello como dr. Jekill. |
Eu, mesmo quando era bem mais jovem, não
conseguia “comprar” a história de um médico que tinha feito uma fórmula que
eliminasse o seu lado mau, como se fosse uma doença ou uma toxina. Ora, ser bom
ou mau depende de escolhas feitas pela pessoa, e os próprios conceitos de “bom”
ou “mau” variam muito, de acordo com a pessoa, cultura, tempo, educação etc. E
também não via o Mister Hyde suficientemente maligno para ser a encarnação de
toda a maldade do Doutor Jekyll. A história me soava falsa, meio exagerada. Se
eu dissesse o enredo básico para um editor, ele jamais aceitaria publicá-la.
Então, se eu não gosto, por que raios estou
enrolando tanto pra explicar isso? Simples, porque mesmo eu não gostando da
história original, acabei colocando entre as minhas séries favoritas dos
últimos tempos justamente uma versão do famoso caso estranho do doutor Jekyll e
Mr. Hyde. Pois é, eu percebo a ironia de tudo isso…
Acidentalmente, vi passando na TV a cabo
(no Multishow, se não me engano) um episódio de Jekyll, minissérie em seis episódios que trazia a história do pobre
doutor bonzinho e seu alter ego malvado para os dias atuais. Ou pelo menos
atual na época, já que a série é de 2007.
E, pra variar, a série era uma produção da BBC.
Em Jekyll,
um preocupado doutor Tom Jackman contrata uma enfermeira para vigiá-lo durante
uns certos períodos de tempo em que ele... não é bem ele. Intrigada, a
enfermeira começa a perceber que não é um caso de múltiplas personalidades, mas
um problema mais estranho. Jackman se transforma em outra pessoa, não apenas
psicologicamente, mas também fisicamente, demonstrando habilidades
extraordinárias e impressionantes. Esse alter
ego tem uma personalidade própria e complicada, oras sendo ameaçador,
perigoso e selvagem para em seguida ser protetor, incrivelmente astuto e
articulado. Comentando a semelhança do caso com o mostrado no livro de
Stevenson, essa personalidade acaba adotando o nome de “Hyde”.
Não parece um cara legal? |
Daí pra frente, a trama se complica,
envolvendo certas reviravoltas bem interessantes e curiosas, mas o grande
destaque mesmo é a forma como é mostrada a diferença entre Jekyll, quer dizer,
Jackman, e Hyde. Interpretados pelo mesmo ator (o irlandês James Nesbitt, pouco
conhecido por aqui, lembrado talvez por sua participação em A Fortuna de Ned) os dois personagens
são totalmente diferentes, e mesmo em uma cena passada numa sala escura,
pode-se notar que não é mais o bom doutor que está ali, mas um Hyde
tremendamente furioso.
Nesbitt não muda apenas sua voz ou
despenteia o cabelo, mas parece aumentar o seu porte físico! Ele anda de forma
diferente, usa linguagem corporal distinta para cada personalidade… até mesmo o
olhar pra câmera é outro. Uma interpretação fantástica, que rendeu inúmeros
elogios e indicações de prêmios para Nesbitt e para a série.
É só não deixá-lo irritado. Você não vai gostar de vê-lo irritado... |
Além disso, a simples noção de “um soro
para separar o lado bom do lado mau da pessoa” foi aprimorada no genial roteiro
(mais um trabalho magistral do genial Steven Moffat, que tem o meu respeito,
com uma única exceção), que atualizou a história, colocou o(s) personagem(ns)
em situações novas e mesmo assim manteve o clima de suspense meio sobrenatural
e meio policial da história, com elementos dois gêneros, colocando mais alguns.
Apesar de se chamar Jekyll, o astro da série é, sem a menor sombra de dúvida, o “novo”
Mr. Hyde. Um personagem complexo e simples ao mesmo tempo, ele não é exatamente
maligno. Ele não é “mau porque é mau” ou porque “é desse jeito e acabou”, ele
tem motivações e vontades diferentes do que está acostumado a encontrar em
pessoas... normais, ele não tem travas morais ou questionamentos sociais, o que
somado a um conjunto de habilidades físicas extraordinárias, o torna um ser
muito, muito perigoso. Mesmo assim, você fica morrendo de vontade para ver o
que ele vai fazer em certas situações, quase que torcendo pra ele (hmm... quase
nada, fica é mesmo torcendo pra ele). E duvido que alguém não torça pro Hyde
depois da cena no zoológico.
O box nacional com a série completa. |
Mais uma vez, é uma série britânica genial
que passou meio que batida por aqui, sendo exibida com muito pouco destaque, e
ainda assim, num canal de TV a cabo. Como não tinha nenhum ator famoso, de
filmes famosos, dificilmente chamaria a atenção das emissoras e das
distribuidoras de filmes.
Animado com o sucesso de Sherlock, Life on Mars e Doctor Who,
todos lançados pela distribuidora Log On, eu estava prestes a escrever pra
eles, sugerir Jekyll como próximo
lançamento, tentar fazer uma campanhazinha pela série, ou algo assim. E qual
não foi a minha surpresa, ao entrar na página da Log On para mandar uma
mensagem, de encontrar o anúncio (com direito a trailer, dá uma olhada aqui ó)...
do lançamento do box de Jekyll!
Isso mesmo, Jekyll está a venda nas lojas brasileiras, em um box com os seis
episódios, a série completa! Depois de tudo que eu escrevi, nem precisa dizer
que é pra lá de recomendada, né? (puxa, do jeito que eu fico elogiando as
séries britânicas aqui, vão pensar que eu só estou aqui pra fazer propaganda pra Log On...)
Uma versão tão bacana, tão legal e com
atuações tão espetaculares que conseguiu mudar retroativamente minha opinião
sobre a obra original! Mesmo com a desculpinha do soro, a proposta até que é
interessante e pode render excelentes histórias. E sem esquecer que foi esse
livro que inspirou Stan Lee a criar o Incrível Hulk.
Não parece que ele vai dizer "Acredite, se Quiser"? |
Agora, só me falta juntar coragem para conseguir assistir (sem
rir) a versão com o Jack Palance.