domingo, 17 de abril de 2011

Mais de vinte anos esperando o metrô…

(publicado originalmente em 3 de março de 2011)

Não é segredo algum que um dos meus escritores de terror favorito é Clive Barker, bem ao lado de H. P. Lovecraft. Falando a verdade, acho que o Barker tem um pouquinho de vantagem, não por questões técnicas ou importância na literatura de terror ou algo assim É só gosto pessoal mesmo.

O primeiro volume de uma assustadora
antologia de contos de terror.
Clive Barker tem uma característica que me atrai muito: sua criatividade estranha e bizarra. Ele inventa situações e, principalmente, conceitos que são tão esdrúxulos que tornam suas histórias e contos (e mais recentemente os seus romances longos) únicos e memoráveis. E não é só isso, o quê alienígena e distanciado que ele impõe nas suas histórias colabora ainda mais com o clima de estranheza que deixa tudo ainda mais assustador.

Nem sempre é bom o leitor ficar perdido demais ao ler um livro, senão ele se cansa e larga a leitura, mas no caso de Barker, ele tem outros pontos que conseguem prender a atenção. Um deles é justamente a mesma estranheza que pode gerar essa confusão! A coisa é tão diferente e bizarra, que se tem aquela vontade de tentar entender, mesmo que a resposta não seja a coisa mais agradável do mundo.

Bom, se essa capacidade de criar coisas e histórias estranhas e bizarras é uma das características mais marcantes no trabalho de Barker, também é uma maldição para o escritor. Por conta disso, fica difícil termos boas adaptações cinematográficas das espetaculares histórias saídas da mente desse autor insano. A coisa chegou num ponto que o próprio Clive Barker decidiu se tornar diretor, depois de dois resultados pra lá de sofríveis (estragando inclusive um de seus melhores contos, Cabeça Descarnada), Barker meteu as caras e dirigiu uma adaptação de Hellbound Heart, noveleta que ele tinha escrito pensando na tela grande. O resultado foi um dos mais marcantes e criativos filmes de terror da década de 1980, Hellraiser – Renascido do Inferno.
Muito ruim, não? Barker também achou,
 disse que faria melhor... e fez!

Mas essa “maldição” continuou muito ativa, permeando todas as outras tentativas de adaptação de obras de Barker, inclusive quando o diretor era o próprio Barker, que não conseguiu acertar a mão em Raça das Trevas (Nightbreed, 1990, que depois eu vou falar mais a respeito) e nem em O Mestre das Ilusões (Lord of Illusions, 1995). Mesmo sendo fã do trabalho dele e tendo um enorme interesse em todas as filmagens baseadas em seus livros, não deixo de reparar como elas geram filmes fracos. Nenhum chegou aos pés do primeiro Hellraiser, por melhor que fossem. Gosto bastante de Candyman, mas ele acaba se perdendo em algum ponto, e fica apenas um filme de sustinhos, novamente desperdiçando uma excelente história e um personagem com um tremendo potencial. O próprio Hellraiser virou uma franquia, com sete continuações, das quais uma é passável, duas são fracas, uma é ruim e as outras três são péssimas.

Metrô de madrugada, Vinnie Jones e um martelo
de carne. Acho que vou descer na próxima estação...
Depois de tudo isso, qual não foi a minha surpresa ao ver O Último Trem (The Midnight Meat Train – 2008), filme pouco divulgado e pouco badalado, onde o diretor Ryûhei Kitamura finalmente conseguiu pegar o clima não apenas do conto que originou o filme, mas da maioria do trabalho de Barker. Um roteiro razoavelmente simples, mas tremendamente bem executado, com atuações ótimas, em especial a de Vinnie Jones, que sem falar uma palavra sequer conseguiu criar um assassino brutal e assustador que gela o sangue de qualquer um com um simples olhar. Tá bom, tá bom… vamos dar um pouco do crédito também pro diretor…

Não é exatamente um filme que atrai grandes multidões ou que irá satisfazer o gosto de todos, mas é fiel ao espírito do que Clive Barker queria quando se dispôs a usar a cadeira do diretor em 1987 para mostrar sua visão distorcida de um inferno sádico onde criaturas torturam almas com promessas de prazeres além da imaginação (e onde os conceitos de “prazer” e “sofrimento” são meio confusos). A história tem poucas explicações e não vá esperando entender tudo o que se passa na tela, não espere ter respostas para cada cena, porque essa é a intenção.

Levou mais de vinte anos, mas finalmente Barker teve uma de suas histórias adaptadas de forma digna. E bizarra. E assustadora.

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