domingo, 17 de abril de 2011

O Terror, o Terror...

(publicado originalmente em 23 de fevereiro de 2011)

Quando tinha por volta de dez anos, eu era um garoto todo certinho, todo bem comportado. Eu dormia cedo todos os dias, pra não perder a hora de ir pela manhã para a escola, de segunda a sexta.

Mas as sextas-feiras eram dias especiais. Como eu não tinha aula nos sábados e não precisava acordar cedo, então eu podia ficar acordado até “altas horas da noite”. Se formos comparar com hoje em dia, nem era tão tarde assim, mas era um feito e tanto (pelo menos na minha cabeça) conseguir ficar acordado até essas horas, assistindo a filmes que a gente tinha visto que ia passar durante a semana.

Ver esses filmes de “adulto” (e nem estou me referindo a filmes pornô, mas aqueles que eram considerados feitos para adultos, filmes policiais, de ação, drama, etc.) era como uma prova de coragem entre os garotos da escola, dependendo do caso, o assunto do dia. Ainda não existia TV a cabo em grande escala, e poucas famílias tinhas vídeo-cassete, e as escassas oportunidades de se ver um filme que tinha aparecido em revistas ou jornais, era quando os canais de TV aberta conseguiam comprar esses títulos e faziam o maior alarde sobre quando seria exibido. Filmes famosos como Caçadores da Arca Perdida e Os Caça-Fantasmas eram anunciados por semanas antes de irem ao ar e quando passavam era como se fosse um grande evento, a família marcava dia e hora para vê-los.

Se era assim com filmes conhecidos, o que dizer de filmes que ninguém sabia do que se tratava? Como os filmes de terror. E se era motivo de orgulho para um garoto de dez anos conseguir assistir a um filme de “gente grande”, imagina como era quando esse garoto conseguir ver um filme de terror! Ser o primeiro da turma a comentar sobre o filme era um dos melhores momentos do dia.

Eu esperava ansiosamente pela chegada da sexta-feira, porque enquanto os canais de maior audiência deixavam o sábado como o dia para os grandes lançamentos e os filmes mais conhecidos, outros canais reservavam a sexta-feira pra filmes de gêneros específicos, como faroeste e, o meu favorito, o terror.

A Record tinha um horário na noite de sexta-feira para exibir filmes de terror, na maioria das vezes, produções da Hammer (ou outras produtoras contemporâneas a ela) e grandes nomes como Christopher Lee, Peter Cushing e Vincent Price apareciam com frequência nessas produções.

Christopher Lee, Vincent Price, John Carradine e
Peter Cushing em  The  House of Long  Shadows (1983)
E o pequeno Rogerio de dez anos era um assíduo espectador desses filmes todas as sextas. Esperando meu pai chegar do trabalho, eu ficava na sala da casa, naquela mistura de medo e deslumbre. Invariavelmente acabava caindo no sono, e a minha mãe pacientemente me levava pra cama.

Muitos desses filmes eu só fui saber o final anos depois, quando eu, bem mais adulto, encontrava o filme numa locadora ou para vender em lojas ou sebos, e nem mesmo assim (ou talvez por causa disso) eu deixei de adorá-los.

Para mim, esses filmes que deveriam se assustadores se tornaram momentos preciosos da minha infância. Pra mim, as histórias não eram contos monstruosos e hediondos, os vilões não eram seres malignos que encarnavam tudo que existe de ruim na Humanidade. Não via os filmes porque eu era insensível e cruel, porque eu seria uma criança sádica que adorava ver o sofrimento dos outros… nada disso.

Basil Rathbone, Vincent Price, Peter Lorre e Boris Karloff.
Esses adoráveis cavalheiros do Horror Clássico...
O grandes atores desses filmes, Christopher Lee (o eterno Drácula, apesar dos mais jovens só lembrarem dele como o Saruman de O Senhor dos Anéis), Peter Cushing (um dos Van Helsings mais icônicos do cinema, e que já interpretou um vilão que mandava o Darth Vader calar a boca), Boris Karloff (o inesquecível monstro de Frankenstein, cuja verdadeira paixão era escrever histórias infantis) e Vincent Price (o impagável Doutor Phibes, e que na vida real era ator de teatro clássico, gourmet e colecionador de arte) eram minhas companhias nas noites de sexta. Eram como tios divertidos, alguns até engraçados, que estavam ali para me distrair enquanto meu pai não chegava.

Obs.: Haviam outros atores que eu só fui conhecer depois, mas que também tem um lugar nas minhas boas recordações: Peter Lorre, Bela Lugosi, Basil Rathborne, John Carradine, Donald Pleasence e Lon Chaney Jr.

A impressão que eu tinha (principalmente quando Vincent Price fazia aquela sua cara fanfarrona) era que eles estavam me dizendo “oh, você tem que esperar? Então nós vamos contar uma história assustadora e divertida pra você…”. Eram pessoas legais e bacanas, cuja história verdadeira, longe das câmeras, teve uma grande influência na construção do meu caráter e no que eu acabei me tornando. Todos eles eram atores que retratavam monstros ou maníacos, mas eram (e são, já que Christopher Lee ainda está vivo) todos cavalheiros, pessoas de educação e cultura incomparáveis, alguns até vindo de família nobre e com título de “sir”.
Um momento de descontração (um tanto que mórbida) durante as filmagens
da comédia de humor negro Farsa Trágica (The Comedy of Terrors, 1963)  

Se hoje eu gosto de filmes e livros de terror, é porque eu queria esperar meu pai chegar em casa e, em partes, por culpa desses honrados senhores.

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